quarta-feira, 27 de maio de 2015

DIGITAL - A alma digital é feminina.


Apple, Google, Amazon e Facebook, empresas que simbolizam a era pós-digital, têm um número significativo de mulheres em seus quadros. Em maio de 2014, o Google divulgou em seu relatório de diversidade que 30% de seus colaboradores são do sexo feminino, o mesmo percentual da Apple e do Facebook. A Amazon não divulga relatórios de diversidade, mas sua liderança já foi avaliada sob esse aspecto e 15% dos 120 gestores mais seniores da empresa são mulheres.
As proporções parecem baixas, mas, na realidade atual, não o são, em especial entre organizações ligadas a tecnologia, que sempre foram um campo quase exclusivamente masculino. Mais ainda, essas empresas têm tomado iniciativas ostensivas para aumentar o número de mulheres, porque já entenderam o que está em jogo — o Google, por exemplo, montou um grupo de 4 mil líderes mulheres, o women@google, para serem mentoras de outras mulheres e alavancarem sua carreira.
Isso significa que, em um futuro próximo, o número de colaboradoras será significativamente maior nas quatro grandes.
O que essas empresas descobriram é que, embora os homens venerem tecnologia, sendo os primeiros a adotar gadgets e inovações em geral, são as mulheres as maiores usuárias dessas inovações, como é o caso das redes sociais. A presença delas é superior à deles em todas as redes sociais, exceto no LinkedIn, no qual se equivalem. Em levantamentos feitos em 2013, 76% das mulheres dos Estados Unidos utilizavam o Facebook (ante 66% dos homens), 54%, o Tumbir (46% dos homens), 33%, o Pinterest (8% dos homens), 20%, o Instagram (8% dos homens), 18%, o Twitter (17% dos homens) e 19%, o LinkedIn (24% dos homens).
Por isso, podemos afirmar que homens são tecnológicos e mulheres são sociais. Homens gostam do universo digital pelos equipamentos em si e mulheres, pelo que podem fazer com eles. Outra questão interessante é que homens parecem ser mais early adopters, mas essa é também uma falsa percepção: homens compram antes qualquer novo gadget, porém mulheres utilizam antes novos aplicativos e serviços.
Na verdade, segundo estudos recentes da Universidade de Bonn, Alemanha, as mulheres seriam mais suscetíveis ao vício da internet em comparação com os homens, por conta de uma mutação no gene CHRNA4, que ocorre com muito mais frequência no sexo feminino.
O que essas empresas já perceberam é que, apesar de os homens terem maior capacidade de abstração, o que sem dúvida os impulsiona a inovar, é o arquétipo feminino de desenvolver relacionamentos, de usar a intuição e a visão periférica que move a inovação da economia pós-digital mais facilmente.

  • Quatro vantagens competitivas
O que Google, Apple, Amazon e Facebook entenderam é que, por comportamentos naturais explicados pela sociobiologia e pela psicologia evolucionista, os homens são principalmente tecnológicos, enquanto as mulheres são sociais. Como, na economia pós-digital, marcada pela abundância, a sociedade opera, comunica-se e trabalha cada vez mais em rede, de maneira colaborativa e lidando com o efêmero e com a mudança contínua, as habilidades que constituem vantagens competitivas para os negócios passam a ser outras, notadamente quatro: o poder do relacionamento, a capacidade emocional, a polivalência e a flexibilidade, e a resposta cordial ao perigo.
  • O poder do relacionamento
O Massachusetts Institute of Technology, o MIT, dos Estados Unidos, realizou um experimento, coordenado pelo professor e pesquisador Thomas Malone, com o objetivo de entender o que define a inteligência de uma equipe. Setecentas pessoas organizadas em equipes de três a cinco integrantes participaram dele e foram feitas três descobertas cruciais:
1. Um grupo é mais inteligente se seus integrantes forem, em média, mais sensíveis socialmente, ou seja, mais hábeis na leitura das emoções nos olhos de outras pessoas.
2. Um grupo é mais inteligente quando as conversas não são dominadas por uma ou duas pessoas, mas muitas, ou todas, contribuem de maneira similar.
3. Um grupo é mais inteligente quando tem mais mulheres em sua composição.
A interpretação dos pesquisadores, ligada ao fator estatisticamente mais significativo, é que a alta sensibilidade social de um grupo é o que condiciona sua inteligência coletiva e a faz superar a soma das inteligências individuais.
Como vimos no capítulo 2, as mulheres são naturalmente mais propensas ao diálogo do que os homens. Comprovadamente, isso tem grande impacto sobre a inteligência de um grupo, o que é fundamental em uma era em que a competitividade é alavancada pela inteligência coletiva e pela exteligência.
Trata-se, inclusive, de uma questão de custo. Como o menor custo possível é uma máxima tanto de startups como de companhias estabelecidas, colaboradores externos são cada vez mais frequentes, inclusive trabalhando em conjunto com equipes internas, e a habilidade social é essencial para que haja uma organização desse trabalho mesmo sem a possibilidade de comando e controle, ou,  traduzindo em bom português, sem a hierarquia rígida e o distanciamento entre patrão e empregado.

  • A capacidade emocional
A amizade feminina é um fator de saúde cada vez mais estudado pela ciência, uma vez que as mulheres compartilham suas emoções e trocam impressões sobre sua vida pessoal, diferentemente dos homens. Isso tem efeitos interessantes sobre a liderança.
Segundo pesquisa conduzida pela firma de desenvolvimento de liderança norte-americana Zenger Folkman em 2014, mulheres são mais apreciadas e respeitadas como gestoras, o que é atribuído ao fato de combinarem o pensamento lógico com as emoções de maneira mais natural, a serem mais conscientes do efeito de suas decisões sobre terceiros e a três habilidades de liderança em alta no século 21 — cooperação, comunicação e compartilhamento —, as quais passam por lidar bem com emoções, as próprias e as alheias.

  • A polivalência e a flexibilidade
Em uma economia marcada por um consumidor que “está” mais do que “é”, que muda o tempo todo, que requer múltiplas abordagens ao mercado e que pede sincronicidade permanentemente, um gestor multidisciplinar e multitarefas é fundamental para gerar respostas rápidas, em especial em um contexto de custos enxutos, como o que se pede hoje em nome da maior agilidade.
Assim, se os profissionais de gestão empresarial precisam conseguir pular de um assunto a outro em um piscar de olhos, as mulheres tendem a fazer isso com mais facilidade, tanto pelo jogo de cintura como pela capacidade de aprendizado. Elas estudam mais do que os homens, inclusive no Brasil. A pesquisa A Batalha por talentos Femininos no Brasil, divulgada no final de 2011 pela ONG Center for Work-Life Policy, por exemplo, afirma que cerca de 60% dos graduados no ensino superior que ingressam todos os anos na força de trabalho brasileira são mulheres.
Além disso, as mulheres não deixam de pensar como consumidoras também — elas são as principais consumidoras, pois controlam cerca de 70% a 80% das decisões de compra, segundo diversas estimativas.

  • A resposta cordial ao perigo
Como descrito no capítulo anterior, a tensão se torna um elemento de negócios importante em um mercado caótico por definição e, atrás de cada tensão, há um perigo à espreita. Saber conviver com a tensão sem perder o autocontrole torna-se praticamente obrigatório.
Se a resposta dada a cada situação de tensão que surgir for de luta ou fuga (fight or flight), como costuma ser a resposta dos homens diante da escassez, o perigo que era apenas insinuado tem alta probabilidade de se materializar. A melhor maneira de lidar com ameaças constantes tende a ser a proteção dos negócios e a criação de alianças para isso, o que é um padrão comportamental naturalmente feminino, como já vimos (tend and befriend).
A resposta natural masculina, que forja escassez e disputa, pode, inclusive, causar graves problemas a uma empresa nesse cenário.

  • Outras características
Eu poderia listar outro bom número de atributos naturalmente femininos que se encaixam como uma luva na economia pós-digital e da abundância, como a tendência a ter insights e a trabalhar com a intuição, a compreensão do simbólico, a imaginação, a criatividade, o apego ao visual e ao design.
Em paralelo, os atributos dos homens perdem um pouco de sua importância relativa no dia a dia dos negócios, como o pensamento abstrato, as habilidades linguísticas e científicas, a capacidade de raciocínio e a lógica, a análise, os números, as palavras, a memória.

  • Números
Não é apenas o esforço de Google, Apple, Facebook e Amazon para aumentar o número de mulheres em suas equipes que confirma essa ligação direta entre os requisitos da economia pós-digital e as características naturalmente femininas. Alguns números sinalizam o mesmo:
• Empresas de tecnologia de capital fechado lideradas por mulheres oferecem retornos sobre o investimento 35% mais elevados e, quando apoiadas por fundos de investimento, geram receitas 12% maiores do que as lideradas por homens, conforme
pesquisa da Fundação Kauffman.
• Organizações que têm mais mulheres na alta gerência estão gerando um retorno sobre ação 35% mais alto e um retorno total aos acionistas 34% superior na comparação com outras, particularmente aquelas em que a inovação é chave, como empresas de internet, mobile e mídia social, conforme pesquisa da Illuminate ventures.
Em um ambiente de abundância, são as mulheres que se saem melhor, e a análise biocomportamental explica por quê, com didatismo. Cada uma delas foi programada, geneticamente, para cuidar dos outros e fazer amizades. Assim, elas ficam completamente à vontade em uma estrutura mais participativa e descentralizada, como é a estrutura padrão destes novos tempos. Isso não significa que os homens tenham se tornado dispensáveis; eles apenas precisam adquirir habilidades femininas.

  • Expectativa
Não tenho dúvida de que o avanço digital melhorou a qualidade de vida das mulheres que trabalham e que vai melhorá-la ainda mais, suavizando o peso de seus três turnos e permitindo sua ubiquidade. Elas ficarão cada vez mais confortáveis na nova organização e poderão exercer plenamente sua alma digital.
O desafio agora é transformar a empresa, organização tão masculina quanto a Igreja, em uma instituição feminina — como, por exemplo, a democracia. Mas será que a feminização das empresas acontecerá rapidamente, em 20 anos?


“Homens São Analógicos, Mulheres São Digitaisde Walter Longo